Aqui estamos nós já regressados da nossa magnífica  peregrinação. Correu tudo muito bem. Adoramos os albergues e o sossego e  conforto que neles se vivia, adoramos os tasquinhos onde saciamos a nossa fome e  descansamos as nossas pernas, adoramos a singularidade de cada etapa e, mesmo a  de Porriño, a mim, não me pareceu assim tão má, pois ia à espera de muito pior  e, afinal de contas, não passaria apenas de uma etapa curta. Há que também viver  o mau para se poder apreciar melhor o bom.  Adorei ter brincado com a bicharada  toda no caminho, ter sentido as aves, sobretudo as pequeninas,  os gatos  emboscados nas ervas, ter feito picnic nas campas  tão profusamente floridas dos  cemitérios... Ainda agora, fecho os olhos e ouço a música do vento a brincar nas  folhas das árvores; os ribeiros a cantarem, lestinhos, por entre as pedras; a  chuva, ora suave ora intensamente, a cair sobre a natureza, criando vida,  permitindo a intensidade daquele verde tão relaxante que caracteriza a Galiza.  Adorei as pessoas que se cruzavam connosco e serei sempre grata pela força que  nos davam quando nos desejavam Bom Caminho.
 E, sobretudo, adorei a liberdade de não possuir  nada, de  poder levar às costas todos os meus pertençes, de não ter horas nem  preocupações, de não precisar de mais nada na vida do que de um sorriso de  alento, o olhar meigo do meu marido, o companheirismo de todos e um bom prato de  caldo galego à noite. Adorei acordar sempre antes do dia nascer e a  singularidade de cada amanhecer. 
 Chegamos a Santiago a meio da tarde. Os 23 km finais não me custaram absolutamente nada. Era como se tivesse kilometragem  zero, um alento novo. À medida que nos aproximavamos de Santiago, ia sentindo um  aperto, pois aproximava-se tb o fim. Confesso que, apesar de ter tido um  ataque súbito de desânimo ao 5º dia, nunca duvidei que conseguisse chegar à  catedral, assim como também suspeitava que a chegada, não se revestiria da pompa  e circunstância que tinha imaginado quando ainda em casa, antes de me fazer ao  caminho.   
Quando cheguei à catedral apenas senti a serenidade de um sonho cumprido e  a imensa, imensa gratidão por tudo o que vivi. No dia seguinte, foi durante a  missa, naquela catedral tão antiga, que toda a experiência da peregrinação pesou  sobre mim, não  propriamente quando ouvi falar nos 5 portugueses saídos de Valença (o que é uma grande honra), mas sobretudo, quando ouvi mencionar toda a  gente que estava a fazer o caminho, sobretudo os que tinham chegado saídos de  Roncesvalles, e  me veio à ideia a motivação que me levou ali, bem como o modo  como Deus tem falado comigo ao longo de todos estes anos e, sobretudo, naqueles  últimos dias. A homilia foi especialmente tocante, porque se falou no dar :  tempo, amor, sorrisos, amizade ... e um peregrino Norte-americano a quem o padre  pediu umas palavrinhas, falou na libertação do materialismo e do egoismo que  caracterizam a nossa era. A partir daí a minha mente voou e voou ainda mais alto  aquando do vôo do Botafumero, da música do orgão de tubos e da voz angélica da  freirinha cantora.
 Contudo, acho que, no fundo, é o próprio caminho, e a fé que nos impele,  que mexe connosco, é o contacto com a natureza, o companheirismo, a simplicidade  e o despojamento total do material, são os momento de reflexão e o esforço por  melhorar os meus muitos defeitos...Agora sim, acho que finalmente compreendo o  que me disseram: não passes pelo caminho, deixa que o caminho passe por ti. Q eu  saiba tirar proveito desta nova força que despertou em mim. Suseia!
Pong