Água mole em pedra dura...

2007-02-27

Caminho Português de Santiago

Aqui estamos nós já regressados da nossa magnífica peregrinação. Correu tudo muito bem. Adoramos os albergues e o sossego e conforto que neles se vivia, adoramos os tasquinhos onde saciamos a nossa fome e descansamos as nossas pernas, adoramos a singularidade de cada etapa e, mesmo a de Porriño, a mim, não me pareceu assim tão má, pois ia à espera de muito pior e, afinal de contas, não passaria apenas de uma etapa curta. Há que também viver o mau para se poder apreciar melhor o bom. Adorei ter brincado com a bicharada toda no caminho, ter sentido as aves, sobretudo as pequeninas, os gatos emboscados nas ervas, ter feito picnic nas campas tão profusamente floridas dos cemitérios... Ainda agora, fecho os olhos e ouço a música do vento a brincar nas folhas das árvores; os ribeiros a cantarem, lestinhos, por entre as pedras; a chuva, ora suave ora intensamente, a cair sobre a natureza, criando vida, permitindo a intensidade daquele verde tão relaxante que caracteriza a Galiza. Adorei as pessoas que se cruzavam connosco e serei sempre grata pela força que nos davam quando nos desejavam Bom Caminho.
E, sobretudo, adorei a liberdade de não possuir nada, de poder levar às costas todos os meus pertençes, de não ter horas nem preocupações, de não precisar de mais nada na vida do que de um sorriso de alento, o olhar meigo do meu marido, o companheirismo de todos e um bom prato de caldo galego à noite. Adorei acordar sempre antes do dia nascer e a singularidade de cada amanhecer.
Chegamos a Santiago a meio da tarde. Os 23 km finais não me custaram absolutamente nada. Era como se tivesse kilometragem zero, um alento novo. À medida que nos aproximavamos de Santiago, ia sentindo um aperto, pois aproximava-se tb o fim. Confesso que, apesar de ter tido um ataque súbito de desânimo ao 5º dia, nunca duvidei que conseguisse chegar à catedral, assim como também suspeitava que a chegada, não se revestiria da pompa e circunstância que tinha imaginado quando ainda em casa, antes de me fazer ao caminho.
Quando cheguei à catedral apenas senti a serenidade de um sonho cumprido e a imensa, imensa gratidão por tudo o que vivi. No dia seguinte, foi durante a missa, naquela catedral tão antiga, que toda a experiência da peregrinação pesou sobre mim, não propriamente quando ouvi falar nos 5 portugueses saídos de Valença (o que é uma grande honra), mas sobretudo, quando ouvi mencionar toda a gente que estava a fazer o caminho, sobretudo os que tinham chegado saídos de Roncesvalles, e me veio à ideia a motivação que me levou ali, bem como o modo como Deus tem falado comigo ao longo de todos estes anos e, sobretudo, naqueles últimos dias. A homilia foi especialmente tocante, porque se falou no dar : tempo, amor, sorrisos, amizade ... e um peregrino Norte-americano a quem o padre pediu umas palavrinhas, falou na libertação do materialismo e do egoismo que caracterizam a nossa era. A partir daí a minha mente voou e voou ainda mais alto aquando do vôo do Botafumero, da música do orgão de tubos e da voz angélica da freirinha cantora.
Contudo, acho que, no fundo, é o próprio caminho, e a fé que nos impele, que mexe connosco, é o contacto com a natureza, o companheirismo, a simplicidade e o despojamento total do material, são os momento de reflexão e o esforço por melhorar os meus muitos defeitos...Agora sim, acho que finalmente compreendo o que me disseram: não passes pelo caminho, deixa que o caminho passe por ti. Q eu saiba tirar proveito desta nova força que despertou em mim. Suseia!

Pong

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