Água mole em pedra dura...

2007-03-28



A ESCOLA QUE TEMOS


A escola que temos não exige a muitos jovens qualquer
aproveitamento útil ou qualquer respeito da disciplina.
Passa o tempo a pôr-lhes pó de talco e a mudar-lhes as
fraldas até aos 17 anos.

Entretanto mostra-lhes com toda a solicitude que eles não
precisam de aprender nada, enquanto a televisão e outros
entretenimentos tratam de submetê-los a um processo
contínuo de imbecilização.

Se, na adolescência, se habituam a drogar-se, a roubar, a
agredir ou a cometer outros crimes, o sistema trata-os com a
benignidade que a brandura dos nossos costumes considera
adequadas à sua idade e lava-lhes ternurentamente o
rabinho com água de colónia.

Ficam cientes de que podem fazer tudo o que lhes der na real
gana na mais gloriosa das impunidades.
Não são enquadrados por autoridade de nenhuma espécie na
família, nem na escola, nem na sociedade, e assim atingem a maioridade.

Deixou de haver serviço militar obrigatório, o que também
concorre para que cheguem à idade adulta sem qualquer
espécie de aprendizagem disciplinada ou de noção cívica.

Vão para a universidade mal sabendo ler e escrever e muitas
vezes sem sequer conhecerem as quatro operações. Saem
dela sem proveito palpável.

Entretanto, habituam-se a passar a noite em discotecas e
noutros proficientes locais de aquisição interdisciplinar do
conhecimento, até às cinco ou seis da manhã.

Como não aprenderam nada digno desse nome e não têm
referências identitárias, nem capacidade de elaboração
intelectual, nem competência profissional, a sua contribuição
visível para o progresso do país consiste no suculento
gáudio de colocarem Portugal no fim de todas as tabelas.

Capricham em mostrar que o "bom selvagem" afinal existe e é português.

A sua capacidade mais desenvolvida orienta-se para coisas
como o /Rock in Rio/ ou o futebol. Estas são as modalidades
de participação colectiva ao seu alcance e não requerem
grande esforço (do qual, aliás, estão dispensados com
proficiência desde a instrução primária).


Contam com o extremoso apoio dos pais, absolutamente
incapazes de se co-responsabilizarem por uma educação
decente, mas sempre prontos a gritar aqui-d'el-rei! contra a
escola, o Estado, as empresas, o gato do vizinho, seja o
que for, em nome dos intangíveis rebentos.

Mas o futuro é risonho e é por tudo o que antecede que
podemos compreender o insubstituível papel de duas figuras
como José Mourinho e Luiz Felipe Scolari.

Mourinho tem uma imagem de autoridade friamente exercida, de
disciplina, de rigor, de exigência, de experiência, de
racionalidade, de sentido do risco. Este conjunto de
atributos faz ganhar jogos de futebol e forma um bloco duro
e cristalino a enredomar a figura do treinador do Chelsea e
o seu perfil de /condottiere/ implacável, rápido e
vitorioso. Aos portugueses não interessa a dureza do seu
trabalho, mas o facto de "ser uma máquina" capaz de
apostar e ganhar, como se jogasse à roleta russa.

Scolari tem uma imagem de autoridade, mas temperada pela
emoção, de eficácia, mas temperada pelo nacional-porreirismo,
de experiência, mas temperada pela capacidade de improviso,
de exigência, mas temperada pela compreensão
afável, de sentido do risco, mas temperado por um realismo muito
terra-a-terra.

Ora, depois de uns séculos de vida ligada à terra e de mais
uns séculos de vida ligada ao mar, chegou a fase de as novas
gerações portuguesas viverem ligadas ao ar, não por via da
aviação, claro está, mas porque é no ar mais poluído que
trazem e utilizam a cabeça e é dele que colhem a identidade,
a comprazer-se entre a irresponsabilidade e o espectáculo.

E por isso mesmo, Mourinho e Scolari são os novos heróis
emblemáticos da nacionalidade, os condutores de homens que
arrostam com os grandes e terríficos perigos e praticam ou
organizam as grandes façanhas do peito ilustre lusitano.
São eles quem faz aquilo que se gosta de ver feito, desde que
não se tenha de fazê-lo pessoalmente porque dá muito
trabalho. Pensam pelo país, resolvem pelo país, actuam
pelo país, ganham pelo país.

Daí as explosões de regozijo, as multidões em delírio, as
vivências mais profundas, insubordinadas e estridentes,
as caras lambuzadas de tinta verde e vermelha dos jovens
portugueses. Afinal foi só para o Carnaval que a escola os
preparou. Mas não para o dia seguinte."

Vasco Graça Moura

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